Embora irmanados do amor por Jacareí, há uma pequena diferença entre o jacareiense nato e o naturalizado. O cidadão nascido fora da sesmaria de Antônio Afonso, mas que a escolheu de coração para viver sua longeva existência, enfrenta a situação corriqueira de ser questionado pelas gerações mais antigas a respeito da existência do célebre Biscoito de Jacareí.
Enquanto o jacareiense, seja nato ou naturalizado, ressalta com erudição a grafia original 'Biscouto', o forasteiro pouco se importa com as vogais e estala os lábios desejosos do doce outrora à venda pela janela do trem parado na estação e que marcou sua infância.
Pena que o jacareiense ordinariamente só se importe com o popular bolinho caipira e a queimação estomacal que vem de brinde. Deveria ter o sentimento afonsino aflorado também para a relevância da lata azul com jacaré impresso, na vida privada paulista da primeira metade do Século XX. É o maior marco da cultura culinária local, como o 'crème brûlée' está para os franceses.
Essa consciência é testada justamente nas visitas episódicas do jacareiense naturalizado à sua aldeia de origem. Alhures e algures, nosso generoso munícipe invariavelmente escolhe algum velhinho favorito para ganhar a latona em sua versão moderna (mais alva e com o réptil bem estilizado), aquela que promete ser a detentora legítima da receita do verdadeiro e único Biscoito de Jacareí.
Malgrado as acanhadas ressalvas do visitante acerca de suas questionáveis sensaboria e originalidade, o ancião abre a lata na frente do apóstata afonsino, como de bom tom entre presenteados, amolece no café com leite a solidez da iguaria branca e, com os olhos marejados pela evocação das primícias, anuncia quão gratificante foi para a alma e o paladar acabar de matar saudade daquele que é, de fato, o permanente e insubstituível Biscoito de Jacareí!
O jacareiense naturalizado regressa e relata a todos a satisfação de ter confirmado que o biscoito atual continua a ser fielmente o Biscouto de Jacareí. Conhecedor profundo, o jacareiense nato desconfia e desfaz as ilusões viajadas, pois o idoso visitado pode simplesmente ter dito aquilo para agradar. Será?