Domingo, 24 Novembro 2024

Só uma desculpa

Só uma desculpa

Ao assistir a 'Um Momento...', semanas atrás, me deparei com difíceis cenas, para mim, da protagonista.  

'Um Momento Pode Mudar Tudo' (2014, na íntegra no youtube, com Hilary Swank, Emmy Rossum. Duração: 102 minutos. Cotação: regular) é abarrotado de clichês, força a barra a fazer o espectador chorar, imita outros longas e tem direção-roteiro medianos. Isso tudo é verdade, se encaixa 100% numa análise fria.

A trama me passaria em branco se não fosse um detalhe: é a história de Kate, pianista de cotidiano normal que se vê virada de ponta-cabeça quando descobre, aos 30, ter esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença degenerativa-progressiva, sem causa conhecida, sem cura, cuja perspectiva de vida é, no máximo, 5 anos (mata neurônios motores que controlam músculos voluntários).

Esta enfermidade levou meu pai embora há 7 meses – dia 7/2 faria 72 anos. Quando vi 'A Teoria de Tudo', curiosamente do mesmo 2014, nem me passou pela cabeça que anos depois teria alguém tão próximo com ELA. 'A Teoria...' é cinebiografia de Stephen Hawking, que se depara com o mal aos 21 e morre aos 76! Raro dentre raros.

Hawking foi 'a ELA' no mundo. Antes, o jogador de beisebol Lou Gehrig (1903-1941), primeiro famoso que se teve notícia a ter a esclerose, 'divulgou' o caso. Meu pai, Silvio Leite, diagnosticado em outubro de 2020, viveu 21 meses, os últimos 4 em coma.

Ao assistir a 'Um Momento...', semanas atrás, me deparei com difíceis cenas, para mim, da protagonista: perdas de peso, movimentos de pernas-braços, da capacidade de engolir, falar – meu pai passou por essas gradações. 'Ele não merecia' era meu pensamento recorrente (o título original, 'Você não é Você', traduz a situação).

'Seu' Silvio, como o chamavam, era boníssimo – a começar, excelente filho, irmão, tio, marido, pai. Nunca reclamou, nem quando soube da gravidade da doença. Disponível aos tratamentos (experimentais), remédios, tinha o sorriso sempre à mostra a quem quisesse ver (guardo no coração as gargalhadas altas dele quando via Escolinha do Professor Raimundo e do Golias, pegadinhas do Silvio Santos, vídeo-cacetadas do Faustão). Só deixou bons exemplos.

Hoje, olhos molhados, escrevo a mais difícil coluna desses 19 anos de Diário para recordar meu pai na semana do seu aniversário. Usei o filme só como desculpa. 

 

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