Jamais se dobrar ao sistema: eis o lema que permeou as quase 7 décadas de carreira de Woody Allen. Por isso, seu nonagésimo aniversário, 1º de dezembro, deve ser celebrado. Desde o início da carreira artística, nos palcos do teatro, o artista sempre implicou com si mesmo, fez troça da infância, pais, adolescência, como todo bom comediante se autodeprecia. Cativou espectadores desde então, principalmente as do sexo feminino, que viram nele algo atraente, ainda que a beleza nunca tenha sido seu forte.

Neurastênico, hipocondríaco, não se fez de rogado: mostrou, principalmente, os seus grandes dramas. Quando Eric Lax, amigo que o acompanhava constantemente, preparava o lançamento de sua biografia, Allen aprontou-lhe a falseta. Meses depois, fez questão de desatualizar a obra, já nas lojas: rompeu o casamento de 12 anos com Mia Farrow e disse estar apaixonado pela enteada dela, Soon-Yi, com quem se casou em 1997. Isso é um exemplo de não temer ou se adequar o status quo.

Eis, a Lax, também o motivo de, como diz Ruy Castro, não se poder escrever biografia de alguém vivo. Na verdade, o cineasta dava pistas sobre preferências por ninfetas. Lax não prestou atenção, apenas isso. 'Manhattan' (1979), com Mariel Hemingway na pele de Tracy, 17 anos, foi um sinal. 'Poderosa Afrodite' (1995), com Mira Sorvino como Linda, idem. Dizem que todo autor, ainda que escreva acerca de personagens totalmente distintos entre si, põe neles características íntimas da sua própria pessoa. Com Allen isso funciona de maneira avassaladora.

Não à toa, temos a impressão de que ele faz o mesmo tipo em todo filme – aquele sujeito em que tudo na vida dá errado. Seu pavor da morte ("não tenho medo de morrer, só não quero estar lá quando acontecer"), a fixação pela análise psicanalítica e amores desajustados ("só há um tipo de amor que dura: o não correspondido") faz de Allen um marco. Está no meu top 5 de cineastas prediletos.