A vitória de 'O Pagador de Promessas' no Festival de Cannes de 1962 pegou de calças curtas o pessoal do Cinema Novo. Glauber Rocha (1939-1981), principal nome do movimento, opinou que Anselmo Duarte (1920-2009), diretor do longa, pegara a si tradições baianas e rodara o filme de modo 'quadrado'. Não teve a 'ousadia' dos jovens que desejavam revolucionar a Sétima Arte com filmagens ideologizadas politicamente.

'Do sul', da 'elite', 'bonito demais', Duarte 'não podia' lidar com histórias acerca de pobreza, com referências ao candomblé. Se você pensou em 'apropriação cultural', bingo! Desde aquela época essa bobagem existe e vem, para variar, da esquerda. Além disso, Duarte derrotou Buñuel e Antonioni na cerimônia, fato inconcebível por Glauber. A partir daí o cineasta de 'Barravento' (1962) começou a desdenhar de Duarte nas entrevistas e conversas com amigos.

Conhecido pelos trabalhos como galã nos estúdios da Vera Cruz, o paulista arriscou-se como diretor a primeira vez em 'Absolutamente Certo' (1957). Perambulou pela Europa nos anos 50. Visitou Cannes. Na volta, ficou boquiaberto com a peça de Dias Gomes (1922-1999) sobre o drama de Zé do Burro. Foi até o escritor e o convenceu a adaptar o enredo à telona. Prometeu a Gomes que conquistaria a Palma de Ouro com a fita.

O curioso é que nas filmagens Glauber e Anselmo ficaram amigos. O baiano chegou a colaborar nas locações. Conseguiu, por exemplo, com que bombeiros fornecessem água à sequência da chuva. Depois, tudo desandou. Ao se ver na mira do Cinema Novo, Duarte se sentiu traído. Revidou. Passou a debochar do movimento artístico. Deu adjetivos como 'simplória' e 'amadora' às obras realizadas pela turma de jovens. O duelo, no fim das contas, reunia 2 profissionais com visões distintas, com egos inflados. Cada um defendia a estética que achava perfeita. A imprensa, lá de trás já contaminada pelo progressismo extremo, colou em Glauber, a quem endeusou, e estigmatizou Duarte como 'ultrapassado'.