O que está acontecendo
A história de Anthony Hopkins pega o público pelo colarinho porque o faz pensar que ele mesmo, o público, tem a doença.
O ponto fora da curva de 'Meu Pai' (2020, Netflix) é o roteiro criativo, ousado, escrito por Florian Zeller (que também dirige o filme e é o autor da peça de teatro em que foi baseado o filme) e Christopher Hampton. A história de Anthony (Anthony Hopkins, ganhador do Oscar de melhor ator por este trabalho), que começa a ter sintomas de Alzheimer, pega o público pelo colarinho porque o faz pensar que ele mesmo, o público, tem a doença.
Há confusões entre personagens, que entram e saem de cena sendo interpretados por atores diferentes, sequências repetidas com estes atores, mudanças de móveis de lugar e de cores e situações que não sabemos se aconteceram mesmo ou se são imaginações de Anthony. O espectador tem a sensação de já ter visto tal momento um pouco antes, ou tenta decifrar se aquela pessoa é ou não a filha do protagonista, por exemplo.
Na trama, o idoso se recusa a receber a ajuda da filha, Anne, que percebe que pai está próximo da demência. Ele mora sozinho num confortável apartamento e ela deseja contratar uma cuidadora para tomar conta dele.
O longa-metragem é econômico no elenco (4 ou 5 atores/personagens), e simples na realização (locações e cenários). Zeller consegue extrair do cast atuações que beiram o realismo, principalmente de Hopkins, que está estupendo. Quando os minutos avançam e começamos a notar o que está verdadeiramente ocorrendo, concluímos que o cineasta passou ao público o protagonismo da história e entrega a ele a 'responsabilidade' sobre o que fazer com Anthony.
A cena final (não contarei, claro) é uma das mais tocantes dos últimos tempos e coloca, ou recoloca (se é quem um dia ele saiu dali), Hopkins como um dos maiores profissionais da história do cinema. 'Meu Pai' também conquistou a estatueta de Roteiro Adaptado – concorreu a atriz coadjuvante (Olivia Colman), direção de arte e edição. Duração: 97 minutos. Cotação: ótimo.
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