Para seguir no embalo da coluna da semana passada, ressalto a participação do ator e cenógrafo Frank Silva, o maligno Bob de 'Twin Peaks'. Dia 13/9 sua morte completou 3 décadas (aos 44 anos, vítima da Aids – faria 75 em 31/10). Seu trabalho como intérprete se deu por acaso. David Lynch, diretor-autor do seriado, estava no andar de cima do cenário da casa de Laura Palmer. Silva ficou perto. Num estalo, o cineasta lhe perguntou: 'Você é ator?'. Pego de surpresa, Silva balbuciou alguma coisa. Então, Lynch o colocou agachado, mirando a câmera, ao pé da cama da moça assassinada. Filmou sem saber onde encaixaria a cena.

Mais tarde, ao rodar a sequência onde a mãe de Laura, Sarah, se lembra de evento traumático, o cinegrafista Sean Doyle disse a Lynch que teriam de repetir a operação porque alguém havia sido acidentalmente pego no reflexo do espelho. 'Quem?', perguntou o diretor. 'Frank', respondeu Doyle. Vendo isso como sinal, o cineasta decidiu manter a filmagem. Assim nasceu a personagem, espírito aterrorizante da 'Loja Negra' que assombra a pacata cidadezinha. Bob se alimenta da dor e sofrimento humano, transformados em creme de milho quando isso fica palpável.

O monstro é considerado por especialistas como um dos vilões que mais causaram medo em toda a história por um conjunto de fatores: olhar fixo, cabeleira grisalha, roupas gastas, 'tom normal' da 'pessoa', como se o 'mal' pudesse ser qualquer um de nós.

Formado em Design de Iluminação pela Universidade Estadual de São Francisco, Silva labutou como mestre de adereços e decorador em 'Duna' (1984) e 'Coração Selvagem' (1995), ambos de Lynch. Após um período de crise, sem trabalho como ator, teve depressão, ficou sem ter aonde morar. O segundo episódio da terceira temporada (que explica o 'nascimento' de Bob) de 'Twin Peaks' foi dedicado a Silva. Nesta, aparece durante todo o revival como Bob por meio do uso de imagens de arquivo.