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Sangue no algodão

Sangue no algodão

A inovação que transformou o jornalismo veio ao reproduzirem as famosas entrevistas na linguagem popular do convidado, sem copidescar.  

O documentário 'Pasquim: A Subversão do Humor' (2004, íntegra no youtube) começa com a frase: '1969 foi pesado: AI-5, sequestros, prisões, desaparecidos, torturas, exílios...' Nas bancas a primeira vez em 22/6/69, com objetivo de beliscar o bumbum dos militares (1964-85) e sair correndo, funcionou. Os fundadores – Millôr Fernandes, Luís Carlos Maciel, Jaguar, Ziraldo, Henfil, Claudius, Sérgio Cabral – refinavam a palavra a estapear bochechas dos homens de farda (e saírem correndo).

Depoimentos mostram que, ao contrário do dito pelo cartunista Miguel Paiva, a intenção era, sim, protestar e mostrar ao país a face esquerdista do trambolho, criticando conservadores como Gustavo Corção, Nelson Rodrigues, Roberto Campos, por exemplo. Foi suave até o início dos anos 70, quando a repressão subiu de patamar. Prisões dos membros do jornal começaram a acontecer. 'O Pasquim' deu um jeito e avisou o leitor: 'Surto de gripe' – na verdade, enjaulados. 'Lá dentro deve estar muito mais engraçado do que aqui fora', surgiu no alto da página.

Eu tenho 41 anos e, claro, não sou desta época. Mas meses atrás a Biblioteca Nacional disponibilizou no site todas as edições do tabloide. Folheei muitas. A riqueza é espantosa. Ou não. Numa das irônicas citações, alguém definiu: "De tanto triunfarem nulidades, 'O Pasquim' acabou dando certo." Aqui, outras maravilhas arriscadas: 'Em terra de cego, quem tem um olho emigra', 'O importante não é vencer, é sair vivo', 'Quem é vivo sempre desaparece'.

A inovação que transformou o jornalismo veio ao reproduzirem as famosas entrevistas na linguagem popular do convidado, sem copidescar. A tiragem, outro dado esplendoroso: 14 mil – 1 ano depois, 250 mil. 'O Pasquim foi gota de sangue no algodão: espalhou-se', diz Ziraldo. Sem censura, arrastou-se melancolicamente até 1991. Não tinha graça sem 'ser proibido'. Antes, anunciantes fugiam ou eram pressionados a abandonar o jornal 'comunista'. O politicamente correto passava longe. Hoje 'O Pasquim' seria taxado, pasmem, de 'machista', 'reacionário'. Duração: 44 minutos. Cotação: bom. 

 

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Sábado, 27 Abril 2024

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