Miséria ou banquete
Trata-se de um pretenso documentário que parece trabalho de conclusão de curso de universidade do baile dos enxutos
"Há 2 problemas em ver documentários sobre Eduardo Coutinho: a vontade de fumar e fazer jornalismo". Ambas fazem mal à saúde'. Li esta frase de alguém (não lembro quem) num site, ao comentar 'Banquete Coutinho' (2019), de Josafá Veloso. Vamos combinar desde agora: trata-se de um pretenso documentário que parece trabalho de conclusão de curso de universidade do baile dos enxutos.
Porém existem ali instantes de Coutinho em estado de graça, filosofando sobre o batente das gravações e o que se pode tirar dos personagens retratados nos filmes. Josafá, talvez por inexperiência, falta de tato ou cabeça oca, explora pouco o cineasta e dedica muitos minutos a nos mostrar trechos grandes de trabalhos do melhor documentarista que o Brasil produziu.
Mas quem é fã de E.C. deseja vê-lo pôr para fora elucubrações e pensamentos, e não rever partes de fitas antigas. Um nobre ponto de Veloso, entretanto, é exibir 'O Telefone' (1959), curta-metragem rodado quando Coutinho estava em Paris, ao cursar direção e montagem no Institut des Hautes Études Cinématographiques (viajou à Europa aos 24 anos, em 1957, depois de ganhar prêmio respondendo a perguntas sobre Charles Chaplin num programa da TV Record).
Foi nessa escola que fez o curta citado, que pouca gente viu (duração: 5 minutos). Veloso extrai frases enigmáticas: 'A vida só faz sentido ao fazer um filme. Vou todo ano ao médico ver o pulmão de tabagista, porque quero viver. Não vejo saída na vida, mas quero viver, por isso filmo', 'A rotina não é extraordinária, mas, capturada pela câmera, algo mágico acontece. O momento em frente à câmera é decisivo.
O personagem rouba a imagem para si. Só existe ficção. Documentário é ficção' e 'no escuro é sem graça fumar. Não tem como ver a fumaça. O gesto é bacana', são exemplos. Coutinho era sujeito bronco, mal-humorado. Amava a labuta de transferir à telona histórias comoventes.
Muita gente viu nele um 'explorador da miséria brasileira'. No fundo, era aquele idoso que cumprimentou a menininha no fim das filmagens de 'Últimas Conversas' e reclamou depois: 'Falei para fazer só com crianças, não falei?'. Duração: 74 minutos. Cotação: bom.
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