O autor apresenta seu tradicional estilo literário de parágrafos longos e pontuação libertária.
Alguns textos são especiais e permanecem apreciados por leitores qualificados porque apresentam notável originalidade, bem como variedade e profundidade de sentidos.
É o caso do conto de José Saramago escolhido para análise desta coluna, de linha basicamente narrativa, porém de conteúdo escancaradamente psicanalítico, junguiano mais precisamente.
O autor apresenta seu tradicional estilo literário de parágrafos longos e pontuação libertária (que desengessa os diálogos e dita ao leitor um ritmo de pensamento limítrofe entre as faixas do racional e do inconsciente).
Outra marca registrada de Saramago, tão sorvida pelo patrício contemporâneo Valter Hugo Mãe: tanto no decorrer da trama, como em condutas específicas dos personagens, o escritor abstém-se de considerações deontológicas ou valorações morais expressas em terceira pessoa.
A história parece transcorrer na Idade Média (reis, barco à vela, navegação manual, ponderação da existência de ilha desconhecida), porém o sabor da leitura do conto em questão é atemporal, como dos congêneres de Ítalo Calvino.
O conto mescla elementos de Saramago encontrados em O Evangelho Segundo Jesus Cristo (redação prolixa, subjetivismo conclusivo) e Ensaio Sobre a Cegueira (texto moderno, ritmo narrativo dinâmico, personagens criados a partir de arquétipos).
Dentre vários sentidos que podem ser encontrados no texto, a invocação do pleito ao Rei e a concessão do pedido por Sua autoridade majestática representam a autêntica iniciação e imersão integral do homem na masculinidade.
A plenitude adulta apresenta como elemento literário um objeto de autonomia e arrojo: um barco para ser navegado em alto-mar, de forma inédita pelo personagem, dominando os vetores naturais com sua própria força, representada por leme, mastros e velas.
Porém, o crescimento masculino só encontra patamar ideal na intromissão do elemento feminino, pois ele por conta própria é incapaz de vislumbrar essa necessidade e buscá-lo.
Ela depura o convés de todas as aves (o ninho doravante é do casal) e prepara as costuras, outrora rotas, para o enfunar a dois, tão logo libertado o barco do amor das variadas amarras que o prendem ao cais.
Frase em destaque: "gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar".