Já existia uma para isso, mas ela foi criada para recrudescer a punição, reação política ao combate da corrupção.
A Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019, elenca os crimes de abuso de autoridade. Já existia uma para isso, mas ela foi criada para recrudescer a punição, reação política ao combate da corrupção.
O art. 31 prevê o delito de 'estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado', tipo penal que causa perplexidade nos juristas.
Em primeiro lugar, porque o requisito específico do novo crime (prejudicar o investigado ou fiscalizado) desafia a garantia constitucional de presunção de inocência até o trânsito em julgada da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII).
Se pretendeu o legislador compensar a exploração midiática da investigação, incidiu em desrespeito a outro direito fundamental esculpido na Constituição (art. 5º, XLV): pune a autoridade investigante por conduta alheia (da imprensa).
Outrossim, caso o prejuízo vislumbrado residir em vigorar em desfavor do investigado ou fiscalizado medida de indisponibilidade de bens, a decisão penal estará em conflito com outro veredicto judicial de natureza cautelar, o que é passível até de nulidade.
Se ultrapassados tais obstáculos de técnica jurídica, lógica e bom-senso, o condenado será submetido a uma pena privativa de liberdade na modalidade detentiva, de seis meses a dois anos, além de multa.
O parágrafo único do artigo que estabelece a infração penal em análise a atribui também a quem 'inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada'.
Em ambas as modalidades, a tipicidade é deficiente. Sem limites bem definidos, o réu está à mercê do subjetivismo do operador da norma, que definirá ao seu talante o que entende por injustificado e imotivado.
Como consolo às autoridades investigantes rotuladas como abusivamente autoritárias, pela natureza pacífica do fato e quantidade detentiva, a persecução penal pode não se concretizar.
É que o suspeito, na maior parte das vezes, livrar-se-á das grades fazendo jus à transação penal (Lei nº 9099/95, art. 61 e 76), acordo de não-persecução penal (Código de Processo Penal, art. 28-A), suspensão condicional do processo (Lei nº 9099/95, art. 89) ou da pena (Código Penal, art. 77).
Ou seja, o fito é intimidar, nem precisa encarcerar.