Anna tenta desde o primeiro minuto fazer da presidenta (?) a vítima enclausurada e 'simpática'.
Anna Muylaert, diretora de 'Durval Discos' (2002) e 'Que Horas Ela Volta?' (2015), terminou de editar 'Alvorada' (2020) com Jair Bolsonaro na presidência. O documentário cobre os derradeiros dias de Dilma Rousseff no mais alto cargo do país, entre agosto e setembro de 2016.
Anna, que faz questão de não esconder sua preferência política pela esquerda, tenta desde o primeiro minuto fazer da presidenta (?) a vítima enclausurada e 'simpática'. Em determinadas sequências, porém, a cineasta deixa a baba e expõe o lado negro da então chefe do Executivo.
Há vários "agora não, querida", em tons ríspidos, quando Dilma olha à câmera e pede que a equipe de filmagem saia para não testemunhar certas conversas. Noutro take, vemos a política resmungando pelos corredores, após não ser atendida. Anna mescla imagens de discursos da petista com funcionários do Palácio do Alvorada trabalhando, como cozinheiros, jardineiros, garçons, motoristas.
Ao mesmo tempo em que, para mim, passa a impressão de desejar impor a narrativa da 'mulher empoderada', amplamente desgastado, que manda e desmanda, misturar autênticos trabalhadores com a chefa dá a entender que ela 'está ao lado' deles.
'Alvorada' (na verdade, deveria ser 'Crepúsculo') se junta a peças cinematográficas chamadas de documentário que mais se assemelham a delírios de fãs, como o entusiasmado 'Democracia em Vertigem' (2019), de Petra Costa (herdeira de denunciados na Lava Jato) e 'O Processo' (2018), de Maria Ramos, que lembra novelas mexicanas do SBT. Este tripé, irmão caçula de 'Entreatos' (2004, João Moreira Salles), foi aceito pela 'imprensa velha' e festivais de filmes, como o 'É Tudo Verdade', de raízes vermelhas, que não fazem mais questão de esconder.
O típico exemplo é o cineasta Josias Teófilo. As dificuldades em exibir 'O Jardim das Aflições' (2017), sobre Olavo de Carvalho, e 'Nem Tudo se Desfaz' (2021, tema deste espaço nas próximas semanas), acerca das consequências das manifestações de 2013, foram hercúleas.
Duplo-padrão de artistas que, por fora, esbanjam sorrisos; por dentro, preferem que conservadores fiquem eternamente na espiral do silêncio. 'Alvorada' tem desfecho infantil e me fez lembrar Carmita, a personagem esclerosada de Etty Frazer em 'Durval Discos'. Duração: 80 minutos. Cotação: regular.