O documentário 'Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou' (2020) é pequena obra de arte.
'Você é uma vadia' – O diretor de cinema Hector Babenco (1946-2016) percebeu que a esposa, a atriz Bárbara Paz, o filmava na intimidade e a 'elogia'. Ela ri, sem jeito, mas vitoriosa. O documentário 'Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou' (2020) é pequena obra de arte.
Ele havia sido diagnosticado de câncer por Dráuzio Varela em meados da década de 80. O médico atestou poucos meses de vida. Errou. Argentino naturalizado brasileiro, Babenco viveu mais 3 décadas e fez filmes memoráveis, onde explorou até não poder mais a miséria tupiniquim – casos de 'Pixote' (1980), 'Carandiru' (2003).
Há determinadas sequências de 'Babenco' que Bárbara, que o dirigiu, não se lembra como fez. Uma delas, cheia de ternura, conforto, é a do quarto do hospital, logo após o relato de um sonho esquisito (o da geladeira). O cineasta, internado, ainda dorme e ela tenta acordá-lo. 'Vamos comer. Se esfriar, vamos comer bife frio', diz. Hector, zonzo e sem saber onde estava, pergunta o que faziam ali. 'Você tem filmagem hoje. Estamos em Padova', ela responde. E abre um sorriso ao amado.
Noutros takes, ele pensa alto sobre temas que permearam seus longas-metragens e sua própria biografia: morte, prisão, fuga, comiseração, medo. Está tudo ali, com frases sarcásticas, ironias com pitadas de tristeza, profundos e lentos 'delírios' acerca da finitude. Babenco sabia estar perto do fim.
Quis que Bárbara fosse a responsável por registrar cada instante do resto de sua vida. A atriz mergulhou em intensa pesquisa da carreira do companheiro. Revelou bastidores de filmagens, como a da cena final de 'Meu Amigo Hindu' (2016), derradeira fita dele, onde ela dança seminua na chuva ao som de 'Dançando na Chuva', desejo decisivo do diretor.
'Era isso que você queria?', pergunta Bárbara. 'Sim. Você estava linda, meu amor', diz Hector. A Academia Brasileira de Cinema indicou 'Babenco' a postular uma vaga dentre os finalistas da categoria Melhor Filme Estrangeiro no Oscar de 2021. Mas como a festa hollywoodiana se transformou nos últimos tempos só num ajuntamento de gente tosca presa ao politicamente correto, a película infelizmente ficou de fora. Duração: 70 minutos. Cotação: ótimo.