Por Rodrigo Romero em Sábado, 01 Novembro 2025
Categoria: Coisas de Cinema

As não-pessoas

​3 anos depois, 2016, documentário de igual nome chegou às telonas (hoje na Netflix), exibindo fotos, filmes antigos, documentos, arquivos, entrevistas.

Em 2013 a jornalista Daniela Arbex lançou o livro 'Holocausto Brasileiro'. O tema, então esquecido, ignorado pelo país, descortinou um dos momentos tétricos da história: mortes de cerca de 60 mil pessoas no Hospital Colônia, em Barbacena, Minas Gerais. Os horrores descritos pela repórter, que descobriu por acaso o assunto, quando algumas fotos lhe caíram às mãos ("achei que eram registros de campos de concentração da Segunda Guerra", revelou), são acachapantes. Quem leu a obra sabe.

3 anos depois, 2016, documentário de igual nome chegou às telonas (hoje na Netflix), exibindo fotos, filmes antigos, documentos, arquivos, entrevistas. O local, que em teoria deveria atender com respeito, esmero e dignidade pessoas com problemas psiquiátricos, foi palco de atrocidades, violências de todas as formas e desumanidades ímpares. Homens e mulheres eram largados ao 'Deus dará', dormindo sobre camas de capins, bebendo água da lama para matar a sede. Passavam fome e frio. Dirigido pela própria Daniela, em parceria com Armando Mendz, tem gravações com ex-funcionários e ex-internos, além de fotógrafos-jornalistas que cobriram a tragédia silenciosa.

Há depoimentos impressionantes pela coragem (enfermeiras mostram desprezo pelos mortos, afinal 'eram milhares'), ousadia (um ex-empregado compara, como se fosse normal, pacientes com cachorros) e incredulidade (autoridades eram frequentemente informadas sobre o que acontecia e nada faziam).

Em 1979, outro vídeo, de igual impacto, 'Em Nome da Razão' (Youtube), de Helvécio Ratton e Tarcísio Vidigal, ambos fotógrafos, conseguiu adentrar ao hospital e captar imagens dos doentes. Alguns foram focalizados e falaram. Demonstraram, com serenidade, angústias, medos, ostracismo. Eram 'não-pessoas', cujas existências eram desconsideradas pela sociedade, jogadas lá por motivos estapafúrdios. Exemplos: a filha discordava do pai, brigava, foi mandada ao hospital para não causar mais problemas e permaneceu por décadas; a doméstica de 11 anos de idade estuprada por um juiz de Direito, casado, enviada à Colônia porque engravidou dele. É daí para pior. Duração dos 2 documentários: 90 e 23 minutos. Cotação de ambos: bom. 

Publicações Relacionadas

Deixe o seu comentário