Tarde quente, Praça do Riachuelo. Eu voltava lentamente para casa, depois de um dia exaustivo de trabalho. Vi um rapaz correr com uma camiseta na mão, em direção ao Paço Municipal. Dois policiais, com seus uniformes pesados e os bofes de fora, tentavam alcançá-lo.
O assaltante rapidamente se distanciava dos agentes da lei. Uma sublime sensação de justiça dominou minha consciência - a Praça dos Três Poderes não merecia jamais servir de covil aos gatunos. Assim, iniciei perseguição para detê-lo em nome da lei.
Peguei a pista da esquerda, em seu encalço. Fechei o cruzamento da Lúcio Malta e José Bonifácio, em típica derrapagem de cena de ação. A manobra arriscada causou alvoroço, pedestres paravam para assistir. Ao ver meu carro alto, sujo e com vidros mais escuros que a asa da graúna do Alencar, o suspeito desistiu de seguir em frente e virou à esquerda, em direção aos fundos da Igreja Matriz. Pus o veículo 'pari passu' com o elemento, que logo notou em seu calcanhar a presença do misterioso utilitário à Christine, o carro maldito.
Com a nova rota de fuga adotada, senti-me na indeclinável obrigação moral de ensinar àquele velhaco que fundo de igreja também não é lugar propício a patifarias. Acelerei até embicar o veículo no cruzamento das vias José Bonifácio e João Ferraz, obrigando o larápio a abortar o percurso. Ele pressentiu que estava sem escapatória, pois eu não estava pra brincadeiras. Sem alternativa, virou novamente à esquerda. Ótimo, o infrator começava a se desorientar, andava em círculos.
Ao virar aqueloutra esquina, o amigo do alheio arfava esbaforido. Desesperava-se com a perseguição do jipe empoeirado. O pesadelo do castigo desvanecia seu sonho de impunidade. Ouvi-o rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria. Restava-me torcer para Deus ignorar suas súplicas. O cansaço, enfim, se abatia sobre o delinquente, exaurido em braços caídos e pernas trôpegas. Já eu, ao volante, parecia o velho Santiago, de Ernest Hemingway, no mar caribenho - fisgara o bitelo, mas não sabia como pescá-lo. Questionava-me: que fim teria essa perigosa aventura? Caro leitor, não perca o desfecho. No próximo sábado.