Pode ser apenas uma impressão, mas parece que um dos efeitos da gestão federal iniciada no ano passado foi o aumento da atividade legislativa. Nota-se a criação de muitos diplomas normativos relevantes, capazes de mudar substancialmente o sistema jurídico brasileiro.
É o caso, por exemplo, da Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, mais conhecida como Lei do Abuso de Autoridade, que prevê novos crimes cometidos por agente público, seja servidor ou comissionado. A norma atinge todos que exerçam função estatal e abusem do poder de que dispõem.
Tal natureza punitiva não é inédita. Já existia uma lei específica para punir criminalmente abusos de autoridade, datada de 1965. Essa antiga legislação, todavia, foi integralmente revogada pelas novas regras.
As diferenças básicas entre a lei antiga e a atual é que aquela focava seus dispositivos no combate à arbitrariedade policial e dispunha de um rito processual próprio - célere e, na medida do possível, simplificado.
A lei hodierna é mais abrangente e complexa: fita punir autoridades ligadas ao sistema judiciário e adota o rito comum do código de processo penal ou da lei dos juizados especiais criminais (para infrações penais de menor potencial ofensivo).
São previstos 24 crimes, todos dolosos. Entretanto, não basta a ação intencional. Há ressalva de que a configuração do delito depende de finalidades específicas (intuito pessoal de prejudicar alguém, tirar vantagem, beneficiar terceiros, ou mesmo mero capricho ou satisfação pessoal).
A difícil comprovação das circunstâncias do parágrafo anterior exala forte aroma de pizza no fim das contas, e o acentuado olor de lei que não pegará é reforçado por outro detalhe: eventuais réus serão acusados e julgados por seus pares.
Além disso, os políticos flagrados em falcatruas e sedentos por vingança não contavam com a sólida tradição laxista da ciência penal pátria, que também estipulou não alcançar a nova lei pretensas divergências na interpretação dos dispositivos, avaliação de provas e análise fática.
Ou seja, malgrado os torcionários esperarem condenações em massa, será mais fácil encontrar fotografia de sogra em carteira de genro. A nova lei entrou em vigor em 3 de janeiro.